Por Edson Krenak (Krenak, CS Staff)
Povos indígenas em contextos urbanos frequentemente enfrentam desafios únicos, incluindo marginalização e falta de reconhecimento de sua identidade cultural. Às vezes, eles são invisíveis até mesmo para outras organizações indígenas e os outros parentes. A urbanização é um dos legados da colonização que cresce e impacta profundamente os povos indígenas, ameaçando sua própria existência. Apesar de viverem nas cidades, mantêm práticas sociais, culturais e econômicas distintas, ligadas à sua herança indígena. Populações indígenas urbanas requerem marcos legais que reconheçam e protejam seus direitos de manter e desenvolver suas tradições culturais, línguas e estruturas comunitárias. No Brasil, a maioria dos povos indígenas (63%) vive fora dos territórios tradicionais e reside nas cidades, portanto, é crucial que as políticas urbanas incorporem medidas específicas para apoiar sua integração sem assimilação, garantindo acesso a saúde, educação e oportunidades de emprego, enquanto protegem seu direito de participar de decisões que afetam suas vidas e comunidades. Nesta entrevista, conversei com Mônica Lima Mura Manaú Arawak (Monica Arawak), cujo trabalho foca em Educação e como ela e sua comunidade lutam por reconhecimento e proteção.
Edson Krenak: Você pode se apresentar contando sua história e a história e origem do movimento Aldeia Maracanã, como também as da Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã?
Monica Arawak: Sou Mônica Lima Mura Manaú Arawak, professora e aluna da Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã, também sou professora da Secretaria de Educação das escolas prisionais no Rio de Janeiro e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Sou uma indígena que nasceu na cidade que invadiu a Floresta (uma indígena em contexto urbano), essa foi a primeira violência que sofri.
Meus avós foram trazidos da Amazônia, o Rio Negro fazia parte de seu território, para serem escravizados na cidade do Rio de Janeiro. Meu avô passou a ser escravizado pela construção civil, e minha avó como empregada doméstica, sem nem ao menos falar o português.
A segunda violência que sofri foi não ser reconhecida como uma mulher indigena pelo Estado, por suas instituições, e pelos próprios parentes. Mas eu sei quem eu sou, assim como sei que o Rio Negro mora em mim, suas águas são as minhas águas.
A ideia da retomada Aldeia Maracanã nasce no Acampamento Terra Livre no início do governo Lula quando ocupamos o Planalto dos Ministérios em Brasília. Então, em 2006 organizamos um congresso na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) junto ao movimento indígena dos Tamoios que possuía representantes de diferentes etnias indígenas, também juntamos sindicatos e movimentos sociais. Ao final do Congresso retomamos o território sagrado Aldeia Maracanã, onde existe o antigo Museu do Índio que está se deteriorando, e que fica situado ao lado do estádio Maracanã (que já é uma palavra indígena e possui o formato do Maracá).
Diante do reconhecimento da questão dos indígenas que habitam em meio (sub)urbano, que correspondem, segundo o IBGE, 64% da população indígena brasileira, há muito mais de 20 mil indígenas habitantes da cidade do Rio de Janeiro, representantes de diversas etnias indígenas. São habitantes da região metropolitana e dos complexos de favelas do Rio de Janeiro, que passam a se encontrar e se auto-organizar nesta, desde a década de 90 (aqui na universidade Pluriétnica Indígena reconhecidamente). Até que, em outubro de 2006, com decorrência das resolução do 1º Congresso Tamoio dos Povos Originários, realizado na UERJ, representações de 20 etnias indígenas e de diversos movimentos sociais e de povos tradicionais ocuparam o espaço do antigo Museu do Índio, atual Aldeia Maracanã.
Durante a Eco 92 já falávamos sobre a Universidade Indígena, durante a Rio + 20 aprofundamos o debate com algumas lideranças presentes. Ao retomarmos o território indígena Aldeia Maracanã retomamos também esse sonho e projeto da Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã. Na prática a Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã já existe há duas décadas com seus laboratórios e cursos em diferentes áreas do conhecimento Ancestral (Línguas Indígenas, Agroecologia, Educação Ambiental, Grafismos, Cantos, Artes e Teatro, Protagonismo Feminino, Medicina Ancestral Matrilinear, Medicina da Floresta, Permacultura, Transição Ecológica, Justiça Ambiental, Gestão Comunitária, Formação Política, Permacultura, Artesanatos, Mulheres Indígenas, etc). Como na prática somos um Museu Vivo a disseminar nossa cultura ancestral.
Ao longo do processo de criação da Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã recebemos a professora Catharine Wash, o ministro Oscar Oliveira do governo de Evo Morales, o professor Carlos Walter, dentre outros ilustres debatedores do tema.
Também realizamos 4 congressos internacionais indígenas onde discutimos e sempre discutimos o projeto e o modelo da Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã. Nestes congressos a discussão foi feita com bases indígenas do Rio de Janeiro do contexto urbano (principalmente os indígenas que estão nos complexos de favelas) e parentes aldeados. Nestes congressos recebemos membros e professores de diversos países, como Colômbia, México, Chile, Peru, Argentina, Canadá, etc.
Somos autônomos e prezamos pela nossa autogestão. Somos uma Universidade criada e gerida por indígenas de diferentes etnias sem a supremacia de uma etnia sobre a outra. Não queremos uma universidade em que o branco tenha a supremacia e continue a nos dizer o que precisamos saber é que tenhamos que ser reconhecidos pelo Estado colonial e mercadológico, e pelos colonizadores. Não reivindicamos o conceito de "Índio permitido" ou tutelado, pois somos os verdadeiros donos destas terras de Pindorama nesta "Matria Amada".
Atualmente reivindicamos fazer parte da Comissão Nacional de Educação Indígena e da ANPED, temos essa legitimidade porque somos uma Universidade Viva e Orgânica há duas décadas.
Edson Krenak: Como a Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã aborda os desafios e aspirações das comunidades indígenas, principalmente urbanas, no Brasil?
Monica Arawak: Sendo um espaço de encontro, trocas de saberes e informações, articulação, (re)produção de conhecimentos coletivos, comunicação, luta social, (re)definição de estratégias, atuação conjunta e fortalecimento da resistência dos povos indígenas e de comunidades tradicionais, quilombolas, afrodescendentes, pescadores, artesãos, camponeses, favelados, grupos de resistência de comunidades atingidas por mega empreendimentos e megaeventos capitalistas, em situação (sub)urbana, estudantes e pesquisadores interessados e de reconhecida atuação engajada junto aos movimentos de resistência.
Sendo também um espaço de formação política crítica ao modelo de desenvolvimento sócio-político-econômico e cultural dominante e proposição de perspectivas e estratégias de superação deste modelo, no espaço geopolítico da cidade-modelo de cidade capitalista globalizada de exceção, sede da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016.
Espaço (re)constituinte (de resolução e encaminhamento) das perspectiva de atuação, do projeto político-pedagógico e dos princípios de manejo comunitário dos movimentos de resistência e da aldeia-universidade dos povos do marakánà -como espaço de promoção de pesquisas, ensino e valorização dos saberes dos povos tradicionais, de formação superior (universitária).
Também é o objetivo da Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã é dar visibilidade e fortalecer as pautas indígenas, seja dos aldeados ou do contexto urbano. Participamos dos debates em âmbito nacional e internacional no que tange às políticas públicas para indígenas, inclusive as conferências oficiais. Somos os pioneiros a trabalhar a questão do apagamento dos indígenas na cidade. Há mais de duas décadas fazemos esse debate do indígena em contexto urbano e do resgate daqueles que perderam a consciência de sua identidade indígena. Neste contexto, a Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã, é o Laboratório das articulações e formação política no âmbito e olhar da cultura indígena, apresenta visões de mundo alternativos ao projeto societário destruidor e adoecedor em que vivemos, e funciona também como um centro de acolhimento de indígenas nacionais e internacionais.
Recentemente também temos organizado com as bases indígenas conferências de temas emergenciais como a Conferência Livre Popular de Indígenas em Contexto Urbano (etapas local e Municipal), Conferência de Saúde Mental indígena, Conferência de Mulheres Indígenas e Saúde Mental, dentre outras. Nestas conferências construímos nossas demandas e diretrizes relacionadas principalmente a saúde, educação e território indígenas. Geramos atas e documentos para cobrar e exigir do Estado Brasileiro e do governo Lula nossas demandas.
Um novo congresso internacional indígena vem sendo organizado (o quinto) e já teremos um primeiro pré congresso, que será um Encontro Internacional na UERJ em 13/11, como apoio a Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã e reafirmação da mesma com diferentes atores sociais e diversas lideranças indígenas.
Por sempre termos trabalhado no debate do indígena em contexto urbano e rejeitarmos o conceito do "índio permitido" pelo Estado e suas instituições, infelizmente, sempre fomos rechaçados pelo Estado que nos violenta, por suas instituições racistas, e pelos movimentos indígenas que se alinham ao Estado, sejam porque são tutelados ou chancelados pelo mesmo. Nós não nos conciliamos com a estrutura que nos assassina, e nem nos permitimos sermos capitulados, capturados ou pacificados por esta mesma superestrutura do Estado colonial, não a reproduzimos em nossas práticas. Nosso compromisso é para com esses princípios básicos e profundos das nossas convicções de auto-governo e decoloniais.
Como toda resistência ou comunidade indígena vivemos os desafios do "pé no chão da Aldeia" e não os privilégios de quem está na estrutura do Estado ou dos governos. Muitos parentes preferem cortar na própria carne quando se habituam aos privilégios da estrutura, como poder e recursos, e perdem sua consciência identitária. Também não somos o tipo de indígenas 'comportados" que o Estado e os governo aprisionam pelas negociações para reproduzir a política dos brancos, somos livres pela nossa espiritualidade e essência, porque é a espiritualidade que nos orienta.
Edson Krenak: Com o crescente fenômeno das populações indígenas urbanas, como a universidade serve de ponte entre as tradições indígenas ancestrais e o contexto urbano?
Monica Arawak: Nós antes de qualquer CENSO já tínhamos esse olhar e sensibilidade quanto a ressignificar a identidade dos indígenas em contexto urbano. Nosso projeto sempre foi o de "indianizar", ou seja, fazer as pessoas buscarem as suas raízes e sua Ancestralidade através da memória Ancestral, principalmente a Matrilinear.
O CENSO de 2022 tem mostrado, apesar da subnotificação, que mais de 1 milhão de indígenas (63,27%) vivem fora dos territórios homologados. A maior proporção está no Sudeste, onde está a Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã, onde 82,5% das pessoas que se autodeclaram indígenas vivem fora de Terras Indígenas. Na sequência estão o Nordeste (75,43%) e o Norte (57,99%). Juntos, Amazonas e Bahia concentram 46,46% do total de indígenas nessa situação.
Mas mesmo o Rio de Janeiro tendo a maior proporção de indígenas não aldeados e a importância da Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã neste reconhecimento e avanço identitária, o Estado, os governos e as instituições indigenas insistem em nos colocar no "não lugar" ou no lugar de inexistência, pois somos o estado que possui menos políticas públicas voltadas aos indígenas. Ou seja, nossos direitos estão sendo negados pelo Estado de Exceção e cumplicidade de quem ignora esses dados e não possuem compromisso com a causa e pautas indígenas.
A contradição maior é ignorar a tão reconhecida (inclusive pela mídia internacional) Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã, se esta é quem mais trabalha as demandas destes indígenas "inexistentes" para Estado, para os governos e para as instituições indígenas e indigenistas. Porém são indígenas "insurgentes" cientes de seu território e sua identidade muito pela pedagogia e política aplicadas nesta Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã e também pelo seu acolhimento e reconhecimento na prática e ação. Portanto, nos causa estranheza o fato do Rio Grande do Sul, que possui menos indígenas que o Rio de Janeiro, receba mais indígenas nas suas Universidades do que o Rio de Janeiro. Precisamos avançar neste sentido
A formação da Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã, em 2006, é resultado da resistência à colonização (na [pós-] modernidade) de alguns destes milhares de indígenas em situação (sub)urbana na cidade do Rio de Janeiro. Em um movimento que tem duas origens importantes, uma difusa e outra específica. Difusa: expressa na formação cultural dos espaços populares e na denominação, em língua Tupi, dos seus espaços geográficos (histórico-ecológicos), seja na utilização da palavra de origem Guarani (muytiró) para a designação do trabalho coletivo (mutirão de autoconstrução de casas, sistemas de saneamento, iluminação, abastecimento, (sobrevivência etc) em favelas e espaços populares. Seja na preservação de sistemas de parentesco (familiar) em aldeamentos nos subúrbios das cidades, seja na própria trajetória individual e coletiva de diversos indígenas ‘"desaldeados". Esta história, de articulação deste grupo social, sua auto organização, tem, em específico, na formação da Aldeia Maracaká’nà, sua origem histórica na década de 90, em espaços populares, de favelas, da cidade do Rio de Janeiro. É uma história de encontros e (des)caminhos, que, finalmente, em outubro de 2006, emerge e se expressa na geografia (cultura) da cidade, na realização do Congresso Tamoio dos Povos Originários e na ocupação e realização da função social do imóvel, dedicado à cultura indígena, abandonado pelo Estado desde 1978, no bairro do Maracanã, reunindo representações de cerca de 20 etnias indígenas dos três troncos linguísticos constitutivos das populações pré-coloniais, nativas do território tornado brasileiro.
Desde então, esta comunidade de comunidades de resistências vêm lutando pela preservação e (re)construindo as bases e princípios para uma vivência comunitária (em condições de resistência) pluriétnica, intercultural, como condição de sobrevivência étnica, reconhecimento, afirmação, promoção cultural e fortalecimento do protagonismo e das lutas destes povos. Na relação interétnica, como Centro de Referência dos Povos Originários e Tradicionais na cidade do Rio de Janeiro, vêm recebendo e interagindo com grupos, organizações e movimentos de removidos e atingidos pelos grandes empreendimentos capitalistas, pelas mega hidrelétricas, de logística em geral, projetos de mineração e de infraestrutura na Amazônia, de logística em geral e nas gerais, de constituição de resistências, autogoverno e universidades indígenas em toda Aby Ayala (América Latina), de removidos das favelas e bairros populares do Rio de Janeiro, da África do Sul , de diversas instituições acadêmicas brasileiras e internacionais, com pessoas e organizações de defesa dos direitos humanos e das minorias históricas, grupos artísticos, religiosos, espirituais, de defesa dos direitos da natureza.
Construímos, com estes atores, com quem confraternizamos, a construção de espaços de livre formação e de experimentação, de ensino e pesquisa da Língua Tupi, de formação de cineclube (cine aldeia), de formação do círculo do tempo das mulheres das Aldeias, do círculo de vivência ritual da cosmologia da floresta, como círculo de medicina Ancestral Matrilinear, de encontros, plenárias, palestras, debates, assembléias de diversos movimentos sociais realizadas, em conjunto, neste espaço (bem-comum) das resistências locais, regionais, nacionais, latinoamericanas e internacionais, na construção do movimento nas ruas pela reinvenção da política, pela destituição das autoridades que cometeram abuso de poder político e econômico contra minorias, contra o retrocesso social, contra o atual modelo de desenvolvimento capitalista, contra a violação sistemática dos direitos indígenas e das minorias proletarização, oprimidas, pela devolução do território de manejo indígena da Aldeia Maracanã e pela garantia dos direitos à terra, da natureza, das minorias oprimidas e exploradas, de todos os povos originários e tradicionais!
Compartilhamos aí, uma experiência intensa de formação intercultural de classe na luta. O que, em uma ordem moderno-colonial e/ou pós-moderna, nos apresenta novas perspectivas altermundistas. Hábito, cultura e mito, o aprendizado pela vivência da cosmologia dos povos da floresta, das matas, da natureza, em rituais de reconhecimento da relação ontocriativa e epistêmica de produção de uma medicina ancestral Matrilinear, exercício feito em conjunto nas aldeias (e na Aldeia Maraká’nà), de domesticação das forças da natureza (e da cultura), por toda a comunidade, com a proeminência, por experiência, aos pajés (as "majés"), aos mais velhos (tamui), mas em conjunto com todos que partilham de seu conhecimento e/ou poder de cura.
Várias atividades culturais e debates acontecem concomitantemente ao nossos cursos, então, recebemos muitos visitantes no qual vamos formando e iniciando o processo de resgaste ancestral e espiritual. O elo também se dá através das vivências na Aldeia Maracanã no qual alunos e professores organizam a Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã na autogestão.
Temos rompido as barreiras e vícios institucionais e geracionais para decolonizar, decolonizar as instituições brancas e racistas e os próprios parentes que valorizam essa construção racista e colonial do Estado. Trabalhamos nesta desconstrução. Por isso somos muito atacados e tentam nos expulsar de nossas terras. No entanto, o manejo é e sempre será indígena! Essa é a cura e a solução para os desafios ecológicos que estamos enfrentando.
Edson Krenak: Como a instituição influenciou ou redefiniu a percepção e compreensão mais ampla das culturas indígenas, especialmente em um cenário urbano como o Rio de Janeiro? Você pode citar exemplos dessa luta de resistência?
Monica Arawak: É uma via de mão dupla, pois diariamente recebemos escolas e universidades na Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã, assim como também visitamos as escolas e Universidades para debates e aulas. Assim acontece a formação através da nossa resistência pluri e inter cultural. Porque um dos nossos pirales é a interculturalidade crítica. É um esforço diário de redefinir no senso comum o que é ser indígena.
Muitos de nós professores da Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã também somos professores de outras universidades ou escolas, e até mesmo de pré- vestibulares comunitários nas favelas do Rio de Janeiro, e assim vai acontecendo a disputa de narrativas. Também há os diversos espaços de Educação Popular no qual nós indígenas estamos trabalhando os projetos interculturais de formação segundo a cultura e indígena.
Os povos dos maraká’nà são estes que foram para as ruas em 2013 e que estão mobilizados, em lutas, em processos de resistência contra as forças dominantes do estado capitalista. Que resistimos a processos de remoção arbitrária, de arbítrios e racismos nos processos de implantação de grandes empreendimentos capitalistas, no Rio de Janeiro, cidade-sede internacional da Copa e das Olimpíadas, na Amazônia, no Mato Grosso do Sul, no Maranhão, em Brasília, das regiões sul, sudeste, norte e nordeste, no Brasil inteiro, descendentes das nações Tupis, Arawak e Gê, de Angola, de Áfricas... da Praça Taskim, dos Territórios Palestinos, de Chiapas, em silêncio manifesto, são os povos da resistência.
Para a perplexidade daqueles que previam seu o fim e/ou diluição, dos povos tradicionais, na cultura dominante,eles crescem demograficamente e se reafirmam culturalmente (ontologicamente ) diferentes no Brasil e na maioria dos países de Abya Ayala, e pelo mundo. Povos considerados (prognóstico positivista) extintos ‘renascem’ qual ‘fênix das cinzas’... São poucos os atentos para essa ação da espiritualidade. A Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã não só está atenta como forja essa espiritualização. São povos que resistem e põem o sistema dominante (seus dogmas e predições positivistas) em cheque, em contradição... De diversas etnias historicamente oprimidas, removidos, retirados, desterrados, anomizados, exterminados, encontraram na Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maraká’nà um espaço de resistência, retomada, reterritorialização, sobrevivência (defesa coletiva da vida ainda que em condições de extrema precariedade), reconhecimento, afirmação, vivência comunitária, de produção de arte, conhecimento e cultura contra-hegemônicos.
Recebemos ataques do Estado e até já fomos desalojados de nosso território, mas ainda assim, retornamos com nossos rituais e aulas , mesmo com a repressão presente a nos violentar. E assim retomamos o portal Aldeia Maracanã por inúmeras vezes. E as grandes massas nos reconhecem, tanto que no levante de 2013 a massa gritava nas manifestações "Aldeia Reexiste". E inúmeras vezes as manifestações iam parar na Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã. Podemos até não ser reconhecidos pelas instituições do Estado, mas somos reconhecidos pelas massas, com quem realmente dialogamos para construção das transformações concretas.
Nossa resistência cultural e política atravessa a Transição Ecológica no sentindo de que nossas práticas indígenas são as alternativas tecnológicas para "adiarmos o fim da humanidade" com seus gestores e corporações que desequilibram os ciclos da Mãe- Natureza, da Mãe-Terra, o grande útero que nos pariu.
Apresentamos as bases e princípios do manejo indígena da Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maraká’ànà, para fins de reconhecimento e parceria por parte das instituições indígenas, do MEC (Education ministry), do MPI(Indigenous Affairs Ministry), da ANPED (National Association of university education), das universidades para o desenvolvimento e formalização como Plano de Manejo da Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã.
Neste sentido, elencamos abaixo as bases e princípios do manejo indígena da Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maraká’ànà:
- Reestabelecimento imediato da territorialidade indígena da Aldeia Maraká'nà, como território de manejo indígena, de todo o perímetro requerido e reconhecido na sentença do processo no judiciário (14,3 mil m2) como condição fundamental para o estabelecimento de uma aldeia viva, destinada a beneficiar diretamente uma comunidade de mais de 40 mil indígenas habitantes, principalmente, da região metropolitana do Rio de Janeiro, através da instituição representante dos indígenas, o CESAC (Centro Etnoconhecimento Sociocultural e Ambiental CAIURÉ).
- Reconhecimento e reestabelecimento do processo de manejo realizado, por e conforme usos e tradições indígenas, desde outubro de 2006 com a realização de atividades de afirmação, promoção, defesa e exercício da cultura e dos direitos indígenas, e a retomada deste processo e instauração de um processo de reconstituição e formalização de seu Plano de Manejo Indígena Intercultural.
- Garantia da TUTELA dos DIREITOS INDÌGENAS pelos órgãos responsáveis conforme a CFB 88 (MPF e Funai).
- Garantia do uso e função social da terra urbana de manejo indígena para fins culturais de afirmação, exercício, convivência comunitária, promoção e defesa dos direitos e culturas indígenas.
- Garantia de Residência universitária para fins de convivência e formação intercultural dos aldeados, intercâmbio de conhecimentos, abrigo em situações de risco e necessidade de acolhimento de indígenas e de seus descendentes.
- Preservação do imóvel (território) e ampliação do uso e gestão indígena de todos os 14,3 mil metros2.
- Autonomia de uso e gestão social, política, cultural e econômica.
- Pluralidade e interculturalidade com pleno respeito às diferenças – Ser um Espaço livre de opressões, de qualquer forma preconceito, como racismo, sexismo, exclusão por diferenças culturais, de hábitos e costumes.
- Auto-afirmação intercultural indígena.
- Exercício de usos, costumes, tradições, dinâmicas interculturais contemporâneas e gestão indígena.
- Espaço de reconhecimento e produção de conhecimento estratégico para a defesa e promoção das lutas e dos direitos indígenas nacionais e internacionais.
- Demarcação imediata do espaço (imóvel) da Aldeia Maracanã para fins de realização e desenvolvimento de seu manejo indígena.
- Realização de Congresso Indígena para a avançar na discussão do Projeto Político-Pedagógico da Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã, com a participação de representações de aldeias, etnias, organização e movimentos indígenas e sociais reconhecidos pela comunidade aldeada na defesa dos direitos indígenas e da Aldeia.
Edson Krenak: Quais iniciativas ou programas futuros a Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã está planejando para ampliar seu impacto e relevância para as comunidades indígenas em áreas urbanas?
Monica Arawak: Queremos fazer parte da Comissão Nacional de Educação Indígena e da ANPED para trabalhar nossa autonomia, pois estas comissões se quer pensam na pluralidade de etnias, pensam ainda, em um currículo básico e único.
Pensamos em Intercâmbios de nossos estudantes em outras universidades indígenas de outros países. Sempre pensando na gestão do território e no fortalecimento da resistência e autodefesa internacionalmente.
O fato de termos as tecnologias para superar a transição dos desafios ecológicos nos favorece e nos deixa bastante confortáveis eticamente em contraposição ao projeto de desenvolvimento do capitalismo. Trabalhamos pelo reflorestamento e "quebra do concreto" nas cidades e nas mentes.
Queremos expandir o nosso programa de acolhimento e recepção de indígenas nacionais e internacionais aldeados ou em contexto urbano. Assim como também aumentar os recursos para os intercâmbios em universidades indígenas internacionais para troca de conhecimentos criados por nós próprios.
Uma rede de autodefesa com protagonismo das mulheres indígenas é urgente de ser ampliada. Temos trabalhado com afinco na construção destas redes contra a violência as mulheres e as meninas indígenas.
Edson Krenak: Uma última pergunta sobre o MPI é sua proposta de uma universidade indigena. O que você acha da performance do ministério e qual a relevância de uma universidade Indigena?
Monica Arawak: Apesar da importância da criação do MPI, ele pouco tem avançado nas pautas indígenas, principalmente quanto às questões dos indígenas em contexto urbano e as demarcações das terras indígenas. O mesmo digo da Funai.
Nós os povos indígenas precisamos ter a nossa autonomia universitária para difundir e aprofundar os conhecimentos ancestrais, com a nossa pedagogia, com a nossa cosmovisão, com a nossa epistemologia, e principalmente com o nosso protagonismo. A universidade colonial e a ciência cartesiana não servem e não respeitam a nossa diversidade de culturas e etnias. O apoio a Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã e nossa possibilidade de reinvenção da realidade perpassa por aquisição de recursos e fomentos que nos são negados. Infelizmente, o MPI e demais instituições envolvidas negam nossa expertise enquanto Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã.
Uma rede de autodefesa e de outras demandas como o protagonismo das mulheres indígenas é urgente de ser ampliada, mas nós mulheres da Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã, e nossa rede de articulação de mulheres inexistem para as mulheres que lideram e gerem o MPI, a Funai, a APIB, o MEC, a APED, a ABA e etc.
É inconcebível o MPI, o MEC, a ANPED, a ABA, a APIBI ignorarem nossa história de resistência e de luta no âmbito da educação indígena. Mas não se tampa o sol com uma peneira! Somos a Universidade Pluriétnica Indígena Aldeia Maracanã, uma universidade VIVA, e a história mostra e continuará mostrando quem somos.