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Bolsista da Juventude Indígena em destaque: Tiago de Souza Moraes

Por Nati Garcia (Maya Mam, CS Staff)

Para os povos indígenas, o gênero sempre foi transcendal e diverso, interligado às nossas terras, línguas, culturas, espiritualidades e visões de mundo. A separação foi produto do processo de colonização e dos atos de genocídio que deram origem a uma regulamentação da sexualidade para eliminar a diversidade de gênero nas comunidades indígenas. Existem muitas evidências históricas da diversidade de gênero em hieróglifos, santuários, templos e cerâmicas, que refletem as realidades do que era a sexualidade e a diversidade de gênero para os povos indígenas fora do que hoje é um tabu heteronormativo. No entanto, na realidade atual o dia a dia é uma luta para os povos indígenas que se identificam fora das estruturas coloniais de gênero. Essas sistemática e violentamente desabilitam identidades da diversidade de gênero, criando ambientes nocivos e incutindo medo nas comunidades indígenas. A discriminação, a violência e o racismo enfrentados pelos povos indígenas de gênero e sexualmente diversos, se convertem em marginalização social, isolamento e desconexão do pertencimento cultural. Quando o fio de conexão com as raízes culturais é rompido, o sentimento de pertencimento é fraturado, e o afeto indígena uns aos outros se reprime ao longo das gerações.


A estrutura decolonial do 2SLGBTQ+ tornou-se um caminho para os povos indígenas restaurarem as práticas linguísticas e culturais em torno de conceitos de diversidade de gênero que sempre existiram, mas que foram tiradas da sua cultura. Os povos indígenas estão recuperando suas identidades de gênero, através de expressões artísticas, narração de histórias e meios de comunicação social. Há algumas comunidades indígenas que ainda se constituem em clãs nos quais o casamento é considerado com base na diversidade de gênero e não na orientação sexual para reforçar a linhagem do clã; outras têm tradições orais em que os protagonistas são seres fluidos representados como um animal específico para refletir a importância dos diversos gêneros nas suas comunidades.


Ao celebrar o Mês do Orgulho, é importante reconhecer a luta histórica e a resistência ativa dos povos indígenas na reivindicação de suas diversas identidades de gênero ancestrais. A equipe da Cultural Survival dialogou recentemente com Umussin (cujo nome colonial é Tiago) De Souza Moraes, do Povo Desana, de Novo Airão. Ele é bolsista da Juventude Indígena da Cultural Survival de 2022 do Projeto de Bolsas "Pehkame Mashã", focado em proporcionar aos jovens indígenas a oportunidade de refletir e compartilhar suas experiências sobre diversos temas, como multiculturalismo, biodiversidade e criação de conteúdo em uma plataforma virtual. Moraes de Souza compartilhou sobre sua experiência como bissexual.


De Souza Moraes estuda ciência da computação na Universidade do Estado do Amazonas, com a esperança de tornar a tecnologia, a informação e a inovação acessíveis ao seu povo. Também participa do Movimento Estudantil dos Indígenas do Amazonas. Ele compartilha das lutas por inclusão por ser bissexual, questão que o levou a deixar sua comunidade, não só para prosseguir seus estudos na universidade, mas também por segurança.

De Souza


"Na adolescência fui descobrindo minhas preferências e meu gênero", diz Souza Moraes. "Sempre ouvi de familiares e pessoas da minha comunidade que ser LGBT era horrível. Observei que eram maltratados e sempre tratados com falta de respeito, despejados por suas famílias e comunidade. Aos 18 anos, iniciei meus estudos de graduação na Universidade do Estado do Amazonas, na capital Manaus. Aqui iniciei um novo capítulo na minha vida, começando tudo sozinho, com a ajuda do meu eu interior. Achei que seria mais aceito do jeito que sou, mas foi totalmente o contrário. Além de ser LGBT, ainda sou indígena na Universidade. Sofri e ainda sofro preconceito."


Moraes diz que os direitos e a segurança das pessoas 2SLGBTQ+ no Brasil variam de acordo com a região. Em algumas áreas urbanas que são mais progressistas, as pessoas 2SLGBTQ+ são mais aceitas. No entanto, em regiões rurais conservadoras, a discriminação pode ser mais intensa e há um aumento da intolerância. "Na minha cidade é muito difícil ver pessoas LGBT, e esse assunto não é muito falado na comunidade. Mas não é só na minha comunidade que isso acontece. Em todo o Brasil, existe essa dificuldade de aceitação pela sociedade, e o preconceito é sempre constante em todos os lugares. Ainda estou me descobrindo todos os dias e lutando pelo meu espaço. Observo alguns indígenas, que, assim como eu, estão em busca de seus direitos. Como esse tema é pouco falado em nosso povo, ainda há uma resistência em formar uma comunidade", diz.


Embora Moraes tenha enfrentado resistência à aceitação, ele continua lutando por visibilidade para que outros como ele possam falar e compartilhar sua história conseguindo fortalecer os direitos dos 2SLGBTQ+ no Brasil. Hoje, em Manaus, Moraes diz sentir maior liberdade para se expressar abertamente como bissexual e promover tanto sua identidade de gênero quanto sua cultura Desana, e oferece uma nota de esperança para outras pessoas que possam estar em situação semelhante: "Nunca desista dos seus sonhos. Seja a inovação de seu povo e a mudança que você e sua comunidade esperam."